PENAL











O QUE É PRIMARIEDADE?


Por Francisco Silva[i]

Inicialmente insta salientar que não buscamos para nós, o título de “dono da verdade”, acreditamos que ninguém o seja, embora segundo as lições do apóstolo Paulo, quando a conhecemos somos libertos, porém, não obstante isto, o nosso desiderato precípuo é chamar atenção para o engano elementar, ou pior que isto, para o erro crasso, reiteradamente repetido no quotidiano de incontáveis operadores do direito, notadamente de alguns dignos representantes do Parquet e, sobretudo, de meritíssimos e ilibados membros da Magistratura, quando por ocasião da dosimetria da pena se fundamentam em conceito absolutamente errôneo e totalmente desamparado dos princípios e preceitos sustentadores do nosso ordenamento jurídico.



Com efeito, primariedade não implica na existência de duas ou mais
condenações. O indivíduo pode haver sido condenado duas ou mais vezes, sem perder o atributo da primariedade. Na verdade, a primariedade consiste na inexistência de condenação, lembre-se, transita em julgado[ii], por delito praticado após a existência de uma condenação “transita em julgado”, repita-se, pré-existente ao fato delituoso ensejador da segunda condenação.


Colho do magistério do ilibado Procurador de Justiça do Estado de Goiás, e professor de Direito Processual Penal da Universidade Católica de Goiás, o Mestre Geraldo Batista de Siqueira, em excelente opúsculo, "Processo Penal" Comentários ä lei n.º 5.941, de 22/02/1973, Editora Jalovi, Bauru S. Paulo, ed. 1980, loc, cit., pag. 21, citando Damásio Evangelista de Jesus, magistral lição acerca do tema, que, diga-se, en passant, nos foi oferecida com o seguinte teor:

"Criminoso primário é não só o que foi condenado pela primeira vez, como também o que foi condenado várias vezes, sem ser reincidente. Suponha-se que o agente em meses seguidos cometa vários crimes em Comarcas diferentes. É processado várias vezes, sendo condenado em todas as comarcas. Embora tenha sofrido condenações irrecorríveis. Não se trata de réu, reincidente, pois não cometeu novo delito após o transito em julgado de nenhuma sentença condenaria por prática de crime, permanecendo, pois primário" (Direito penal, vol. l, 3ª edição, loc. cit., pag.529). 

Desse modo, o conceito de primariedade, por ter grande relevância em diversas situações referentes ao status libertatis do sujeito passivo do processo penal, tais como: enquanto acusado, nos feitos relativos aos pedidos de liberdade provisória; no ato da condenação, em virtude das determinações do famoso artigo 59, orientador da pena; ou mesmo, e, principalmente na fase executiva, posterior a condenação em relação aos diversos direitos subjetivos consagrados na LEP, que alguns erroneamente preferem chamar de benefícios, e, até mesmo, em situações post mortem, ou após o cumprimento da pena, no que pertine a possibilidade ou não da concessão do indulto.

Ora, diante da máxima dormientibus non sucurrit, o operador do direito tem que estar atento ao reconhecimento da ocorrência, ou não, do instituto da primariedade, em todas as fases do processo.

O acusado, o condenado, ou mesmo o reeducando não pode ter sua situação jurídica agravada, por interpretação divorciada do sistema em que se aperfeiçoa o ordenamento jurídico, sob pena de se ver ferida de morte e, conseqüentemente, atestado o óbito da maior garantia do Direito Penal, em que se consubstancia o princípio da anterioridade da Lei, ou, em suma, o supra-princípio da reserva legal. 

O grande mestre CESARE BECCARIA se expressava de forma lapidar:

"Somente a necessidade obriga aos homens ceder uma parcela de sua liberdade, disso advém que cada qual apenas concorda em pôr no depósito comum a porção possível dela, quer dizer, exatamente o necessário para empenhar outros sem mantê-lo na posse do restante. A reunião de todas essas pequenas parcelas de liberdade constitui o fundamento do direito de punir." (DOS DELITOS E DAS PENAS)".

Ora, o lema “libertas quae será tamen” não pode ser aceito, quando a LIBERDADE pode ser vivenciada agora.




[i] O autor é advogado especialista em Direito Penal e Processual Penal. Direito Penitenciário e Direito Eleitoral.

[ii] Neste aspecto não se pode negar a força incontestável do princípio da presunção de inocência, albergado que está no supra-principio da dignidade da pessoa humana.








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